julho 11, 2011

Capítulo 11: Quarto encontro

Retornando da cripta, aproximadamente meia-hora depois, as roupas de Philip agora estavam limpas e ele parecia diferente do Philip que me carregara até ali. Ele sentou-se na cama ao meu lado, permaneci estática, pois precisava assimilar todas aquelas cenas de horror. Senti sua mão gelada subir pelo meu pescoço até meu queixo. Ele levantou minha cabeça e eu sabia que iria ouvir uma bronca a respeito do que aconteceu. Olhando em meus olhos ele falou:

- Alteza, vou tentar lhe fazer entender. Você será minha esposa em breve, você me pertence há muito tempo. Não quero adiar mais o nosso casamento. Você está fraca e aparenta estar doente. Vou levá-la ao castelo hoje, você não sairá até se recuperar. Vou vigiar seu sono por hoje.

- Como você me encontrou na floresta? Você não me seguiu, eu não te vi! Você ouviu meus gritos? - falei aterrorizada.

- Segui, de longe, mas estava bem próximo. Ouvi quando você gritou e corri para socorrê-la. Não pretendo arriscar te perder.

- Achei que você não tivesse me seguido. - falei levantando-me para sentar ao lado dele na cama – o que aconteceu depois que você chegou? Como aqueles lobos morreram? Eram muitos lobos...- pisquei lentamente lembrando do pavor que senti

- Vinte, uma alcatéia inteira. Eu simplesmente os matei, precisava te proteger – ele falou se afastando.

- Estou com medo, Phillip... - afastei-me dele tentei me levantar, mas a fraqueza me fez cair sentada – não consigo voltar para o palácio, vou dormir por aqui

- Vou levar você até o palácio, já te informei – ele segurou forte meu pulso

- Você vai acabar me machucando, quando você me carregou, tive medo... você parecia um animal! - falei soltando-me da mão dele e levantando da cama.

- Por que? Por que está fazendo isso? - ele falou com uma voz mais suave, alcançando minha bochecha para acariciá-la.

- Se se transformar como antes, você pode me machucar? - perguntei me afastando dele

- Eu nunca a machucaria, tenho controle sobre meus poderes. Precisava usá-los para te proteger. Você ia virar a refeição daqueles lobos. Você não tem ideia do que eles pensavam

- Você precisa me dar umas respostas – eu falava com certa autoridade ficando de pé e dando voltas pelo quarto, ouvindo o ranger das tábuas do piso – preciso saber... de que você se alimenta?

- De sangue, mas não humano... de animais como aqueles lobos. - ele ergueu a cabeça encarando-me – você está muito nervosa, responderei tudo o que você quiser saber.

- Por que quer que eu volte para o palácio? Por que não posso passar a noite aqui? - perguntei me ajoelhando na frente dele e apoiando minhas mãos em seus joelhos.

- Porque só posso te proteger durante a noite, se acontecer algo a você durante o dia não poderei te ajudar e você está fraca, aparenta estar doente, não quero adiar o casamento, você precisa melhorar. Preciso leva-la para o palácio, seu quarto e sua cama.

- Não entendi, por que não pode me ajudar durante o dia? - perguntei subindo minhas mãos lentamente 

- Porque em meu reino criei uma proteção para a luz do sol, que não há em seu reino. Se eu sair, durante o dia morrerei. - ele falou segurando minhas mãos

- Você vai me levar ao palácio, mas não vai ficar lá? Por que? - senti a fraqueza voltar e cai sentada no chão.

- Vou levá-la ao palácio, você precisa descansar. Fico com você até você dormir. Depois partirei. Preciso que você descanse.

Ele me levantou e pegou-me novamente em seus braços. Desacordei.

Capítulo 10 – Mais um pouco de Philip

- Vossa Alteza está tentando fazer com que eu me sinta culpado pela outra noite? - ele falou ainda segurando minha cintura e puxando-me para perto dele

- Não, estou tentando conversar com Vossa Alteza de forma civilizada - respondi tentando inutilmente me soltar dos braços dele - você pode me soltar? deixe-me ir até lá fora! O rei acha que estou doente, está até pensando em adiar o casamento, mas não me sinto mal. Deixe-me ir, preciso voltar para o palácio mais cedo...

- Você não está se sentindo bem. O que você tem? - ele falou passando uma de suas mãos pela minha nuca, forçando-me a olhar para os seus olhos – você está tão pálida, parece fraca, por que se arriscou a vir até a floresta, por que não ficou descansando? - ele falou com um tom de preocupação em sua voz

- Eu precisava saber o que havia acontecido com você. Não preciso descansar... pelo menos não agora, passei as últimas semanas descansando - respondi com um tom irônico enquanto me esquivava dele e fugia para a floresta - … se quiser, pode me seguir.

Terminei de falar, consegui me soltar de suas mãos e segui rapidamente para a floresta, que agora parecia bem mais assustadora e fria a noite. Diminui a velocidade da caminhada quando senti a falta de ar e a fraqueza retornando. Vi um amontoado de folhas secas e sentei sobre elas para descansar. Após alguns minutos sozinha senti um calafrio ao ouvir uivos de lobos se aproximando. Pensei em voltar para a cabana, mas não consegui levantar, minhas pernas não respondiam. Estava muito cansada. Uma exaustão fortíssima me abateu.

Não estava acreditando, consegui correr até a cabana, consegui fugir da cabana até ali, mas agora não tinha forças para fugir. Pude ver os olhos dos lobos ao longe e fechei os olhos, porque não queria ver o que iria me acontecer. De repente ao abrir os olhos me vi cercada de lobos. Lobos famintos me cercavam. Por que não fiquei na cabana? Sentia-me uma estúpida. Iria morrer ali, meu pai puniria Anna. E o príncipe? Será que ele sentiria minha falta? Será que ele me procuraria? Quando fugi dele, não olhei para trás, não sabia se ele havia me seguido, ou se me procurava. Olhei para o alto e gritei com toda força que me restava, na esperança de ser ouvida por alguém.

Abaixei a cabeça e a cobri com a capa me encolhendo. A ideia de ver aqueles lobos me devorando não era agradável. Pensei na dor e tremia de medo. Ouvi algo que parecia uma briga entre os lobos seguida de um silêncio mortal. Estava com tanto medo de descobrir a cabeça, mas fui baixando a capa vagarosamente. A visão era assustadora: Philip de pé coberto de sangue com vinte lobos mortos ao seu redor. Seus olhos eram vermelhos e seus dentes estava enormes. O ar que me faltava antes ficou agora totalmente escasso. Comecei a sufocar.

Philip correu em minha direção, pegou-me em seus braços, que pareciam estranhamente mais fortes do que antes e me carregou de volta para a cabana. Sem falar nenhuma palavra. Durante o caminho até a cabana minha mente vagava para fora da realidade e retornava. Quando acordava percebi que ele só buscava sentir o cheiro de meus cabelos durante o trajeto. Chegando na cabana ele me colocou na cama e acendeu a lareira, descendo para a cripta sem falar uma palavra. O quarto parecia bem mais aconchegante e quente. Encolhi-me enrolando a capa ao redor do meu corpo. O ar ainda parecia rarefeito, mas eu me sentia segura agora.

Capítulo 9 – O terceiro encontro

Durante dias as costureiras vinham pela manhã e só saiam depois que eu escolhesse o último tecido ou experimentasse o último vestido. Mas naquela manhã fria elas começaram a trazer o vestido de noiva, aquele com o qual me casaria, cheio de detalhes, rendas e babados. Uma princesa não poderia se casar com qualquer vestido, teria de ser um vestido digno da realeza.
Ainda estava cansada como na manhã há semanas, logo após a festa de noivado. Mas a idéia de ter um vestido como este era simplesmente revigorante. Quando o dia terminou o vestido ainda não estava pronto, mas já dava para ver como seria quando estivesse pronto. Com a porta do quarto onde ele era guardado entre aberta admirei-o. O medo de todas as cenas dos dias antes parecia se apagar de minha mente ao observar tão bela visão.
Senti minhas forças retornando. Como seria a cerimônia e a festa? O que eu deveria esperar de meu noivo? As dúvidas aumentaram minha curiosidade e minha mente vagou até a cabana. Eu precisava voltar lá, ao menos mais uma vez. Senti como se fosse um impulso para voltar àquele lugar sombrio. Será que ainda estaria lá? Será que Philip estaria me esperando? Será que ele poderia responder minhas dúvidas?
Não pensei mais. Falei com Anna, que relutou em me deixar sair, mas insisti. Depois de colocar uma pesada capa sobre meus ombros, ela me deu um beijo na testa e pediu para que voltasse mais cedo dessa vez, temia por minha saúde. Saí do palácio correndo, como da primeira vez, mas já não era tão divertido agora. Soltei os cabelos e pude sentir o vento neles.
A noite caiu sobre a floresta e encontrei a cabana logo que o último raio de sol se escondeu no horizonte. Ventava forte. Fechei a capa e entrei pela porta. Estava tudo escuro. Acendi uma vela que estava sobre a mesa. Retirei a capa e os sapatos. Segui pelo alçapão do assoalho, descendo a escada que levava à cripta. O ar estava mais úmido que da última vez, e tudo parecia bem mais escuro. Com algumas velas dos castiçais apagadas.
Acendi as velas próximas das paredes de pedra e me aproximei do altar. Empurrei a tampa com dificuldade, não tinha mais força. Removi a tampa do caixão. Philip dormia, mas parecia novamente estar morto. Cheguei bem perto, senti o frio que saia de sua pele. Aproximei meu rosto um pouco mais. Meu coração parecia estar acelerado. Não resisti ao momento e beijei-o de leve nos lábios.
Ele não acordou. Virei e subi as escadas rapidamente, fechei o alçapão e senti novamente a fraqueza de antes. Sentada na cama fiquei observando a tampa do alçapão enquanto minha mente retornava às imagens que antes me aterrorizavam. Não sabia o que fazer. Pensei: como seria a cabana por fora? Ele havia dito que ela não existia para ninguém.
Coloquei a capa sobre os ombros e com os pés descalços abri a porta. “Philip!” falei assustada ao vê-lo de pé do lado de fora da porta. “Como você fez isso?” perguntei tentando retomar o ar e me manter de pé depois do susto - “Como pôde sair tão depressa do caixão e da cripta e parar aí fora? Como não o vi?” Colocando uma mão ao redor da minha cintura para me segurar em pé e a outra mão sobre a minha boca para que me calasse ele respondeu: “Já lhe falei o que sou... não se lembra daquela noite? Onde você pensava em ir?”
Ele segurava-me firme, mas lentamente ele retirou a mão de minha boca. “Eu ia ver a cabana por fora, você falou que só eu posso vê-la.” falei ainda sem ar “depois dar uma volta pela floresta, por que quer saber? Não parecia se importar comigo quando saiu de meu quarto na noite do noivado...”
- Mas você ficou bem depois daquilo tudo? Eu precisava te ver de novo... e acho que você também precisava me ver. - ele falou bem próximo ao meu ouvido enquanto eu tentava me soltar dele.
- Não, não fiquei bem. As imagens daquela noite dificultaram meu sono e quando estou assustada com algo, costumo dormir com Ana a me observar, não consigo dormir sozinha. Mas você pareceu não notar, na verdade nem sentiu que eu estava mal…

julho 10, 2011

Capítulo 8 – Os dias após

O pouco tempo de sono foi o suficiente para trazer a mente as imagens mais aterrorizantes a respeito de quem era Philip, meu futuro marido. Com o complemento da imagem horripilante, ainda nítida em minha mente, a cena do cavalo de sua carruagem devorando uma ratazana e lambendo seu sangue do chão. Apenas algumas horas após conseguir finalmente dormir fui acordada por minha Aia, Anna.

Senti uma certa fraqueza, meus movimentos naquela manhã eram lentos e desastrados. Desci vagarosamente, quase perdendo um degrau por passada na escada, com Anna a reclamar da lentidão e dos tropeços que dei. Ela informou que meu pai me aguardava para o café-da-manhã e perguntava se eu havia excedido na quantidade de vinho na noite anterior. “Alteza, a Senhorita sabe que não pode beber!” Mas eu não bebi uma gota de álcool nas festividades de ontem, só não consegui dormir.

Estava pálida e muito cansada, o que acontecera comigo? Por que estava me sentindo assim? Ao sentar-me à mesa ouvi de meu pai: “Minha filha está doente?” O medo percorreu minha pele na forma de um arrepio e respondi: “Não, papai, acho que é só o cansaço pela festa de ontem." Tive medo de que ele percebesse algum dos acontecimentos da noite anterior, afinal uma princesa não pode ser vista se esgueirando pelos corredores do palácio e muito menos invadindo o quarto de um hospede tão nobre, da forma como eu havia feito na noite anterior.

Mas percebi, olhando ao redor, que Philip não estava sentado à mesa conosco. “Onde está o príncipe, papai?” Perguntei na certeza de que ainda o veria no interior do palácio naquela manhã, mas meus pensamentos ainda estavam confusos com o emaranhado de cenas de horror, o cansaço da privação de sono, em meio à cena do tranquilo príncipe belo adormecido quando entrei em seu quarto escondida.

Peguei somente uma maçã e um copo d'água, tudo parecia enjoativo naquela manhã, enquanto o rei se punha de pé e caminhando para a janela falou com uma voz mansa: “Phillip partiu antes do amanhecer, tinha algum compromisso importante.” Em seguida, o rei voltou-se a Anna e deu ordem a ela para cuidar de mim, pois ele também iria viajar, tinha compromissos em uma província e iria demorar alguns dias para retornar.

Parecendo bastante preocupado com meu estado naquela manhã, o rei alertou a todos no palácio que deveriam evitar qualquer atividade naqueles dias de distanciamento dele, pois temia que algo acontecesse comigo durante sua estadia. Tinha medo que eu adoecesse em sua ausência. Avisou a Anna que em breve chegariam as costureiras da corte para fazerem todo o enxoval de casamento da princesa. Meu pai falava como se eu nem estivesse na sala e de repente senti uma tonteira mais forte, resolvi subir para meus aposentos, pensando no que faria nas semanas seguintes em que Philip e meu pai estariam distantes do palácio. Ainda bem confusa deitei em minha cama e adormeci novamente.

Os dias que se seguiram foram silenciosos no palácio, que parecia vazio. Eu mal saia de meus aposentos. Mal me levantava da cama. As vezes minha aia me acompanhava até os jardins na esperança de que um pouco do calor do dia me revigorasse.  Ana chegou a pensar que eu estava doente, mas eu só sentia o cansaço e o medo causado pelo horror das cenas do dia da festa. “As costureiras estão aqui.” Esta foi a única frase que saia da boca de Anna com o poder de me fazer levantar da cama. A alegria de experimentar todas aquelas peças, muitas feitas para mim, quase todas exclusivas. Vestidos, camisolas e diversos acessórios novos.