Na manhã seguinte, o Rei já havia realizado todos os preparativos para partirmos para casa. As carruagens já estavam com nossas bagagens e restava apenas embarcarmos. Viajamos de volta logo após o café. Meu pai tinha receio das estradas à noite, por isso ele sempre parava em alguma hospedagem pelo caminho. Os machucados do ataque de Claus ainda doíam. Durante a viagem fui informada pelo Rei de que ele não poderia estar em nosso palácio para recepcionar os primeiros nobres que chegariam para as festas do casamento, pois iria visitar um nobre nos Cárpatos, um velho amigo. Pois ele não viria ao casamento.
Estranhei. Por que ele tinha que visitar esse amigo? Qual o sentido dessa nova viagem? O Rei explicou que o filho deste amigo, um velho e talvez meu único amigo de infância estaria representando seu pai na festa.
Consegui descansar por alguns dias antes da chegada de Lucas Jared VI. Seu pai era Conde. Lucas passou uma boa temporada conosco na infância, pois sua mãe faleceu no parto e seu pai tinha receio de culpá-lo pela perda de seu grande amor. Quando sua carruagem chegou pude ver um homem forte e já sem traços de criança desembarcar. Fiz questão de recepcioná-lo, a pedido de meu pai.
- Alteza, como você mudou! - seus lindos olhos castanhos brilharam ao encontrar os meus, mas a voz estava completamente diferente, mais grave e forte.
- Caro Lucas, você também mudou! - falei me aproximando e estendendo a mão para ele. - como vai seu pai o Conde? Como tem passado?
- Estou bem, meu pai mandou lembranças e vim representá-lo no grande dia de Sua Alteza! - ele falou com um tom irônico e complementou - Como você está? Ansiosa, pirralha?
- Um pouco. - respondi rindo, ele ainda agia comigo como se tivéssemos oito anos.
- Você está linda, princesa! - ele disse colocando minha mão em seu braço enquanto caminhávamos para dentro do palácio.
- Venha, vou te acompanhar até seus aposentos. Será bom ter um amigo por perto neste período. - falei tentando disfarçar a vergonha.
Subimos até o segundo andar, eu ainda caminhava com um pouco de dificuldade, pois as costelas ainda doiam. No jantar, conversamos sobre nossa infância. Lembramos de nossas brincadeiras. Ele me contou sobre como seu casamento arranjado deu errado.
O pai de lucas o havia prometido a uma princesa francesa. Mas pouco antes deles se conhecerem o Conde descobriu que sua futura nora estava grávida de um dos guardas da realeza. Todos os planos foram desfeitos e o pai da princesa optou por enviá-la a um convento.
Por um lado Lucas ficou aliviado, mas por outro frustrado. Seu pai decidiu que Lucas iria se casar com quem ele escolhesse e o mandou para viajar pelo mundo e estudar. Afinal, para o Conde, Lucas era a única lembrança viva de seu grande amor.
Apesar de todos os acontecimentos, Lucas estava feliz. Havia conhecido muitos lugares e hoje era bem mais intelectual do que antes. E o Conde se sentia realizado simplesmente de ver seu filho assim. Lucas veio para minha cerimônia a contra-gosto, pois nunca foi a favor de casamentos arranjados. Contudo viu no convite uma oportunidade de rever a melhor amiga da infância. Passamos muitos anos distantes. Sentamos para conversar após o jantar em uma grande sala de chá no segundo andar do palácio. Lucas contava sobre sua vida nos Cárpatos e suas viagens, quando de repente ouvi um barulho vindo da janela, nos viramos para olhar e pude reconhecer a silhueta assustadora de Claus. Nesse momento Lucas reparou em como fiquei rapidamente pálida e comecei a tremer. Sussurrei: "Ele vai me matar!", um pouco antes de Claus quebrar a janela entrando no cômodo.
- Como vai, Sua Alteza? - Claus falou com certa ironia em seu tom - Quem é seu amigo? Tenho a impressão de que já o conheço... - falou dando rápidos passos em minha direção ignorando parcialmente a presença de Lucas...
- Saia daqui! - gritei com a voz falhando e tentando respirar.
- Acho que não vou embora, temos que encerrar nosso assunto de outro dia, fomos interrompidos, se não me engano... - ele se aproximava rápido demais
- Lembro de você. - disse Lucas caminhando diretamente até Claus.
- Tolo, você sabe que nunca conseguirá me matar. Por que ainda tenta? - disse Claus empurrando Lucas e seguindo em minha direção.
- Não desisto fácil! - falou Lucas, com um ar arrogante.
Num movimento rápido, Lucas saltou em direção à janela quebrada, pegou um pedaço de madeira que pendia dela, correu em direção a Claus que estava já bem próximo de mim, se colocou entre Claus e eu e cravou-lhe a estaca bem no meio do peito.
Pude ver quando Claus caiu, instantaneamente com os olhos já sem vida. Havia muito sangue nas roupas de Lucas e pelo chão. Foi assustador. Sem entender o que estava acontecendo e como eles se conheciam, perguntei gaguejando e com a voz trêmula a Lucas:
- Como... de onde você conhece Claus? - falei retomando a respiração.
- Sua Alteza sabe que ele é um vampiro, não? - ele perguntou avaliando a bagunça total do cômodo e olhando nos meus olhos logo após.
Apenas concordei com a cabeça. Ele continuou:
- Nos Cárpatos temos muitas criaturas como ele. Numa de minhas viagens a Paris, enquanto eu estudava, o conheci. Comecei a caça-lo quando percebi que ele gostava de matar humanos. Como você o conhece? - ele perguntou segurando meu queixo sem entender o que Claus, uma criatura perversa e sanguinária, queria comigo.
- O príncipe com quem vou me casar, Phillip é um vampiro. Claus o transformou em um, quando ele estava em Paris estudando, quando Phillip estava bêbado e deprimido. Como você sabia que esse pedaço de madeira o mataria? V... Você os caça?
- Sim, mas não tenho intenção de matar seu noivo. Só caço os vampiros que matam pessoas. - ele falou enrolando o corpo de Claus no tapete que forrava o chão.
- O que vamos fazer? Com o corpo? É muito sangue... - falei ainda tremendo em choque.
- Vou levá-lo para o jardim atrás do palácio. O sol se encarregará de transforma-lo em pó.
Acompanhei meu amigo de infância carregando Claus até o jardim dos fundos e o colocamos entre dois arbustos, para que ninguém o achasse até o amanhecer. Talvez a noite mais sombria desde o ataque, que pareceu durar apenas alguns segundos.
No dia seguinte só encontraríamos a estaca da janela e um montinho de cinzas no lugar.
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